segunda-feira, 12 de julho de 2010

Aqui somos pulas!

Nunca me considerei muito branca, sou a típica mestiça, cara de brasileira. Filha de negra, com descendente de alemão, o mais europeu é o sobrenome - Neitsch. Por isso, passo batido em quase todas as regiões do Brasil. No verão, com um bom banho de sol, sou mulata. A Jú vai pelo mesmo tom.

Em Angola, somos brancas ou pulas, como dizem aqui, gíria que vem do tempo dos portugas. Passamos pela rua e nos chamam “Samantha”, por sermos brancas como a protagonista de uma novela mexicana que passa aqui.

Nossos amigos angolanos dizem que não têm preconceitos com brancos. Mas, segundo eles, os mestiços são terríveis, são arrogantes, se excluem, se acham melhores porque geralmente são descendentes de portugueses. Então para não me ofenderem, garantem que não sou mulata, mas branca mesmo. Esses dias chamei de mulata uma mulher de olhos verdes, pele menos escura que da maioria aqui, e ela me fulminou com os olhos: “Sou negra”!

Com a história do apartheid em evidência por causa da copa, acabam por falar que negros continuam a se separar dos brancos, ou têm mágoa. Não posso condensar todos os sentimentos aqui de Angola, mas de fato, a pele branca ou mais clara, lembra o colonizador.

A grande maioria das pessoas aqui é negra. E na rua chamamos atenção. Percebem que somos estrangeiras e reagem de diferentes maneiras.

Aqui, posso entender melhor como minha mãe, negra e nordestina se sentia há 25 anos, quando chegou em Joinville, ainda de maioria germânica, e chamava atenção pela aparência física. Só que no nosso caso saímos da zona de conforto, do perfil classe média, mestiço, brasileiras comuns. Passamos a destoar por lembrar um ar de superioridade que não temos, mas cor lembra ou simplesmente o diferente, que chama atenção. Não é o tempo todo, mas com freqüência pra me fazer rir e às vezes irritar.

Hoje passamos por duas situações. Uma engraçada:

Passávamos pela rua e disseram: “Belas portuguesas, estão de volta”!

A outra situação foi frustrante:

No fim da tarde, depois de caminhar o dia todo, ouvi de um menino que deve ter no máximo 17 anos:

“Vai estragar o país”.

Incrédula, olhei pra ele e mirando bem nos meus olhos ele disse de novo:

“Vai estragar o país”.

Fiquei furiosa. Mas adiantaria comprar briga na rua?

Eu queria dizer que não é assim que se dá a resposta a séculos de humilhação, que estou ao lado dele, por que sou afrodescendente, porque abomino qualquer segregação aos negros e todos os desmandos que fizeram e fazem por toda a África.

Mas também queria dizer que sou contra ele, porque tenho repugnância por quem faça qualquer distinção ou pré-julgamento pela cor da pele de alguém.

Calma, gente! Temos amigos negros, muitas pessoas nos tratam bem pelas ruas. Só destaquei esses fatos porque me surpreendem. E me irrito e me assusto, ainda que o preconceito venha de um menino de só 17 anos, talvez por isso mesmo.


Joana Neitsch

3 comentários:

  1. Ah Joana
    Ao ler teu relato me senti na tua pele, mas também me senti na pele do jovem de 17 anos, "cada um sabe a dor e a delicia de ser o que é"...não encontro palavra para dizer o que sinto, sabes o quanto desse povo trago dentro de mim.
    bjus te amo.

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  2. As pessoas fazem de tudo para dar na vista. O que um rapaz de 17 anos teria a diz a este respeito???

    Eu vivi na URSS actual RUSSIA e o que passei me fez ser uma pessoa melhor. Não me tornei igual aos que discriminavam-me. Não reproduzir o ciclo e ao longo do tempo ganhei muitos amigos de coração sem olhar poe ser branco negro ou verde. Eu tenho dito as pessoas o seguinte:

    - A pessoa que vai te fazer mal não tem cor nem género definido, faz-te mal e pronto.

    Saiba que a nossa amizade ja é um passo para derrubar esta muralha
    At+
    Seba Lopdel

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