terça-feira, 24 de agosto de 2010

Congolenses

O mercado dos Congolenses é outro local de distribuição das mercadorias que chegam de fora. Nada comparado ao mercado Roque Santeiro, nem mesmo parecido. Na verdade, é apenas uma rua de chão batido, perpendicular a uma avenida muito movimentada. Lá é possível encontrar zungueiras (como são chamadas as vendedoras de calçada) vendendo cremes, xampú, frutas, verduras, talheres, calçados.. comprados em armazéns da região e mesmo no Roque. Esse foi um dos destinos de um executivo brasileiro, gerente financeiro da Brasil Foods na África, por conta de reclamações de clientes devido à maneira como os alimentos estão sendo vendidos.

Conversar com as zungueiras não é fácil. E não é porque elas não queiram falar. Gomes teve que ser tradutor de português brasileiro para português angolano, a única vez que aconteceu isso em Luanda. Apesar do nome congolenses, as pessoas que moram nessa região não nasceram no Congo. Eles moravam na fronteira com esse país. Por conta de conflitos foram retirados de lá e o governo angolano colocou-os nesse bairro.

Outro problema é que, enquanto os vendedores te dão atenção, estão de olho na chegada da polícia que os expulsa e leva toda a mercadoria. Tirar as vendedoras das ruas é uma das medidas de “higienização” do governo. A polícia passou, deu um susto, mas não fez nada dessa vez.

Protegida pelas grades de um condomínio antigo na mesma rua, Lorença Francisco, 37 anos, há 15 é quingla - compra e vende dólares - além de saldo para telemóvel. Já foi presa uma vez, ficou três dias, até que pagou fiança e foi liberada junto com seu dinheiro que sobrou. Ela adora roupas brasileiras, mas pagar 30 dólares por uma blusa não dá, “então compro as de 300 kwanzas”.

O terreno do condomínio formado por dois prédios antigos e semi cercado por grades é que abrigava todos os comerciantes da região. Mas as reclamações do síndico fez com que quase todos fossem colocados para fora.

Além das quinglas, como Lorença, os meninos que fazem as unhas deles e delas também se instalam seus banquinhos ali. Se as mulheres dominam a zunga, são os homens que fazem o serviço de manicure. Severino, 18 anos, está no ramo há seis. Cobra 300 kwanzas para colocar unhas postiças e pinta-las. Nos salões de beleza, cobra-se dez vezes mais. Vanda Pereira, que quer estudar Informática no Brasil, prefere vir até os Congolenses: “É mais barato e eles não acham ruim quando pedimos para ajeitar se não ficou bom, as mulheres já fazem cara feia”.


Juliana


Fotos: Do Porto para as ruas de Luanda: nenhum problema com o comércio informal

Lorença, protegida da polícia pelas grades.

Crédito: Juliana


quinta-feira, 19 de agosto de 2010

O Roque



O mercado do Roque Santeiro era o lugar que mais ouvíamos falar antes de ir para Luanda, não podíamos voltar sem conhecê-lo. Esse é o maior mercado ao ar livre da Angola, um dos maiores do mundo e teve o nome inspirado na novela brasileira. A maioria dos brasileiros que conhecemos em Angola nunca foi ao Roque e também há angolanos que evitam e não gostam de ir para lá.

Na véspera, Mavanda, namorada do Seba, nos descreveu com minúcias os quatro assaltos que a mãe dela sofreu no mercado. Com tanto terrorismo acabamos deixando a máquina fotográfica em casa e na última hora preferi deixar a aliança também. Fico me perguntando até que ponto isso é verdade, pois também há estrangeiros que vêm ao Brasil e ouvem avisos desse tipo.Mas dizer perigoso é um adjetivo um tanto simplista para um universo que tem lá. Se em Luanda tudo parece visto com uma lupa, sejam encantos ou problemas, no Roque a lupa amplia-se ainda mais.

Desafiamos o Seba: ou ele nos levaria ou iríamos sozinhas. Adivinhem o que o cuidadoso anfitrião fez?

Na chegada, a vista que temos lá embaixo milhares de barracas com teto de lona ou do material que houver disponível. Descemos a pirambeira e na maior parte dos corredores ou ruelas é preciso andar em fila indiana. Chitãzinho e Xororó foi a primeira música que ouvimos. Muita gente, gritaria e correria, como muitas feiras populares que devem haver pelo mundo (o mais próximo disso que eu tinha ido era o Beco da Poeira em Fortaleza). Mas o que impressiona no Roque é o tamanho e a variedade.

Lá encontramos tecidos africanos e todo tipo de produto que um bom camélodramo oferece: bolsas, brinquedos, doces, cosméticos, tênis, eletrônicos marcas norte-americanas made in china a dar com o pé. Tem também fato (como chamam os ternos) e gravatas, vestidos longos de festa. Toda a cor e cheiro das feiras com frutas e verduras. E materiais de construção. Congelados e enlatados. Não nos ofereceram, nem vimos, mas quem procura serviços sexuais e drogas, para consumir ali mesmo, também encontra. Tem muito ouro e bijuteria. Bacias coloridas. O chão é terra, tomate espatifado, prego, pilha, farinha do fungi, pegadas de Havainas...

Fomos rápido. O Seba disse que não dava pra ficarmos parados muito tempo em um só lugar e dar mole para os assaltantes. Éramos a únicas pulas ali. Imagino que a cara de estranhamento que vi neles não devia ser muito diferente da minha. Nos achavam fora de lugar e eu tentava entender tantos mundos naquele lugar. Impossível eliminar minha mentalidade de estrangeira, fico vendo tudo com curiosidade, até poesia. Aí me chacoalho e me dou conta que é o sempre deles. Uma luta por sobrevivência. Se agacham ali mesmo pra comer fungi com peixe. Em uns cantos das barracas mulheres gordas cochilam. Em outros mães fazem as tranças nas filhas. Nos botecos improvisados jovens ficam azarando e se embebedam.


Ali também é um dos pontos de abastecimento das zungueiras. Compram em atacado os produtos para venderem nas calçadas. Muitos produtos que exportadores engravatados, negociam nas salas limpas e frescas de ar-condicionado são escoados por ali. E muita gente esperta que roda Luanda toda a procurar melhores preços, sabe que há produtos que só tem ali no Roque. Não adianta ir a outras feiras, nem a mercados, nem mesmo ao shopping. Compramos panos africanos coloridos feitos na China. Angola não tem indústria têxtil e os tecidos que vêm do Congo, que é ali ao lado, são mais caros que os chineses. Saiu muita tinta na primeira lavagem e o tecido ficou mais macio, vamos ver nas próximas.


Agora o Roque está de mudança. Vai para o novo mercado de Panguila, a 18 quilômetros de Luanda. Se vai dar para todos os vendedores irem para lá e se todo esse universo também vai ser transferido, só quando gente voltar a Angola para ver.




Foto: Vendedora de carvão no Roque.

Crédito: João Fellet - Jornalista, faz parte do coletivo Tás a ver e vai lançar um livro sobre sua experiência em Angola e outros países africanos no próximo ano. Também nos deu boas dicas antes de viajarmos.


Joana Neitsch


domingo, 15 de agosto de 2010

Nossas queridas miúdas


Foram essas duas criaturinhas que nos acordaram diariamente aos berros das brincadeiras, dos choros ou com uma suave abertura da porta e a pergunta: "Já acordaram?". Às vezes invadiam o quarto pedindo: "Dá-me teu chocolate...dá-me tua bolacha", também com abraços e pulos na cama. Outras vezes pedíamos para dormir mais um pouco e elas saíam para brincar.

A São (Conceição), mãe delas, acorda cinco da manhã para trabalhar na recepção da British Petroleum (BP) e as miúdas não aguentam muito mais tempo na cama. Raina tem três aninhos e é um furacão, esperta que só. Mexia em todas as gavetas e perguntava o que era tudo, desodorante, creme, absorvente. E pedia: "dá só...". Riu muito da minha meia furada. Outro dia, quando viu outra, sem rasgos, avisou: "Vai furar, vai furar". Quando chegamos em casa mais tarde, exaustas, tiro meu sapato e ... ela acertou!

Janina, de cinco, é mais discreta e sabe a hora de se acalmar. Mas está longe da apatia. Comanda muito bem as brincadeiras. Ela já tem idade para ir à escola, mas o horário de trabalho da mãe dificulta a frequência ao colégio. Mesmo assim, ela sempre pede que lhe passem tarefas e sente falta das aulas.

As duas estão o tempo todo cantando e dançando. Além das cantigas infantis, sempre lembravam de um grito de torcida angolano para o Campeonato Africano das Nações (CAN) que não consegui achar o restante da letra na internet e que elas também não sabiam, mas continuavam harmoniosamente. "Angôôôôôôôla... palaaaanca". Algumas vezes tentei acompanhá-las na dança, mas, com toda minha habilidade, participava só quando era de roda. Com esse tamanho, elas já têm todo o jingado do semba, kizomba e logo chegam no kuduro.
Foto: A dona da casa e suas meninas. Crédito: Jô




Juliana Passos

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Músico angolano fala do intercâmbio do seu país com o Brasil

Em nossas andanças por Luanda conhecemos muito brasileiros que investem e se aventuram por lá. Mas também procuramos angolanos que têm uma relação mais próxima com o Brasil. Foi assim que tivemos a oportunidade de conhecer o músico Filipe Mukenga.

A relação dele com a música brasileira vem desde os anos 80, quando Djavan gravou sua música Humbiumbi. De lá para cá, Mukenga fez parcerias e teve músicas gravadas por outros artistas brasileiros como Maurício Mattar, Fundo de Quintal, e em seu último disco Martinho da Vila, Ivan Lins e Zeca Baleiro.

Há quem ouça Filipe Mukenga e considere sua voz e a maneira de cantar muito semelhantes a Djavan ou Milton Nascimento. Ele explica que a forma como canta vem de longe, antes mesmo de conhecer esses cantores, mas os admira muito. Suas preferências também passam por Gilberto Gil, Martinho da Vila, Emílio Santiago e Simone.

Mukenga lembra que as relações culturais entre os dois países não são de hoje. A música brasileira está há séculos ligada com Angola, sua matriz vem de lá. Em suas recordações, canções do Brasil sempre fizeram sucesso. “Era miúdo e escutava Angela Maria. Nós conhecemos Pixinguinha, Luiz Gonzaga”.

Ainda que tenha feito parcerias com muito brasileiros, o músico acha que o Brasil se fecha e não deixa que outras culturas entrem. “Vocês conhecem muito pouco de Angola. Conhecem Liceu Vieira Dias, Elias de Aquimuerto, Lurdes VanDúnen, N’gola Ritmos”? Cita grandes nomes da música angolana, que pouco se ouve falar, para não dizer nunca, no Brasil.“Há necessidade de um intercâmbio maior. Para que possamos nos conhecer mais. O Brasil tem tanto a ver com África, sobretudo com Angola, mas se fecha. Mas música americana entra sem pedir licença”.

Na terra onde as candongas circulam ao som de kuduro, o cantor e compositor lamenta: “As pessoas estão mais voltadas para música que as põe a saltar e não transmite nada”. E tenta explicar: “Talvez o motivo seja a vida agitada, o estresse. É um fenômeno em todo o mundo”. Mas para Mukenga, a primeira preocupação não é fazer música para dançar, ainda que reconheça que algumas de suas músicas perfeitamente dançáveis.


Como acontece com muitos artistas brasileiros, Mukenga é mais reconhecido no exterior que em sua terra natal. Para ele, seu trabalho “foge ao habitual” e não se preocupa com grande aclamação, acredita na música como “veículo de transmissão de conhecimento e cultura”. Seu estilo é o que chama de Nova Música d’Angola, rica não só no conteúdo, mas no ponto de vista da harmonia, com acordes invertidos, dissonâncias e características do jazz.

Seu quarto CD, o mais recente, foi lançado em setembro de 2009 e teve 5 mil cópias, esgotadas rapidamente. E ele está a espera de uma tiragem de mais 10 mil discos. O disco gravado no Brasil e produzido por Zeca Baleiro. O selo é da Editora Ginga, do empresário brasileiro Raymundo Lima que está há 10 anos em Angola.

Quando chegar a nova remessa, a sessão de autógrafos será no Largo Primeiro de Maio, diante da estátua do ex-presidente Agostinho Neto. Em Luanda, lançar um CD é passar pelo Largo da Independência. Como isso não aconteceu, há quem diga que o trabalho ainda não foi lançado.


Com 46 anos de carreira, Filipe Mukenga não consegue viver de sua música. Trabalha em um cargo comissionado, prestando consultoria ao Ministério da Cultura.

O músico planeja vir ao Brasil ainda esse ano, provavelmente em setembro.


Joana Neitsch

sábado, 7 de agosto de 2010

O trabalho continua em casa

Duas semanas de Brasil se passaram e aquela sensação de felicidade por estar de volta que imaginávamos sentir, passou longe. Um mês passou tão rápido que se não fosse os contatos que fizemos para avisar que chegamos bem e a presença uma da outra, não seria mais que um sonho.

Impressões à parte, o blog não vai parar porque voltamos. Fazê-lo para usar só um mês não faria sentido. Ainda há muito o que comentar, contar e organizar o material da reportagem e o blog nos ajuda nisso.

Àqueles que tem nos acompanhado, não nos abandonem. Esse é um momento importante de crítica e sugestões. Novos e “velhos” leitores, sejam bem-vindos.


Foto: Despedida com os amigos angolanos. Crédito: Sebá