quinta-feira, 22 de julho de 2010

Úlltimo Dia (?)

Último dia em Angola. Tá tudo escuro. São 18h30 da tarde, a luz caiu, tô sozinha em casa porque hoje a Jú e eu nos dividimos para render mais. Por sorte o computador tá com bateria. Também não tem água.

Hoje de manhã fui à loja da Cia aérea TAAG confirmar nossas passagens. Sim! Aqui tem que ser pessoalmente. Fiquei uma hora só esperando. Quando fui atendida, a moça me falou que minha reserva tava cancelada, porque ainda não havia sido feita a confirmação e a minha classe (Econômica, claro) já estava cheia. Pra Jú tava tudo certo. Eu poderia resolver meu problema pagando um up grade para uma classe mais cara ou entrar pra lista de espera pro vôo de amanhã mesmo ou para o próximo, que é segunda (e também já está lotado).

Não me importaria em ficar mais um fim de semana, até gostaria. Mas fiquei nervosa porque meu visto vence em uma semana e é um saco se programar e ter que ficar alterando os planos. A moça dizendo "vamos esperar a resposta". Aí dramatizei: “É o seguinte, não tenho dinheiro para pagar up grade, meu visto vence dia 30 e terça, 27, é meu aniversario e minha família está a minha espera. Não sei se me informaram o procedimento errado, mas não minha culpa, a passagem tá paga e preciso viajar, tenho direito a um lugar”! Embarguei a voz e acho que ela se comoveu.

Foi lá dentro, voltou e disse que tava tudo certo, é só irmos fazer o check-in 4h30 da manhã. A partida está prevista para 8h30. Não me perguntem porque tão cedo, mas não vou arriscar, pretendemos estar lá no horário. Bem que haviam me falado dos rolos dessa TAAG. E pra quem reclamar, se a cia. aérea é do governo angolano?

Hoje também foi o primeiro dia em que andei sozinha de candonga. Fui lá no Gamek fazer uma entrevista. O bairro é meio favelão e me dei conta que nunca andei sozinha em um lugar tão pobre. É que nunca houve necessidade ou oportunidade. Mas não fiquei com medo, até porque pobreza não é sinônimo de perigo. Fiquei atordoada, a rua é movimentada e tava cheia de obras buracos. Pedi ajuda pras zungueiras e cheguei onde precisava. Foi engraçado, me perdi um pouco, me enchi de poeira mais que média e contei com a solidariedade das pessoas pra chegar onde precisava.

A Jú foi ao Congolenses e ao São Paulo, regiões bem movimentadas, pra não dizer tumultuadas, cheias de vendedores ambulantes. O Gomes, tio do Seba, foi com ela, assim como foi comigo na TAAG de manhã.

Nossos planos pra hoje à noite são comprar pizzas em uma pizzaria brasileira e nos despedir do Seba e seus amigos, da São (dona da casa em que estamos) e das suas filhas, nossos amores aqui, Raina e Janina. Mas continuo no escuro sozinha. Quer dizer, com a companhia da Úrsula, no gtalk enquanto a bateria do computador não acabar ou não der pau na internet.

Passei o dia pensando em um post de despedida, cheio de impressões e emoções, mas esse acabou sendo mais um diário de desabafo.

Essa última semana tem sido de perrengues e aventuras para confirmar que levamos uma vida tipicamente angolana. Como vou embora amanhã (pretendo, pelo menos), acabo dando risada de tudo. Mas penso e me dói, que vou voando pro meu país e essas pessoas – que não vejo mais como distantes africanos, mas amigos angolanos – vão continuar nessa realidade de não poder contar com o básico, de ter que se reiventar pra resistir a cada dia.

A Jú e o Gomes chegaram! O gerador foi ligado, já tem luz pelo menos. Hora de ir ver as pizzas.


Joana Neitsch

terça-feira, 20 de julho de 2010

Domingo de praia

Como em Florianópolis, as opções de lazer em Luanda são principalmente conhecer suas belezas naturais. Quanto mais longe se vai pelo litoral da província, menos angolanos e mais expatriados. Ainda não há muita preocupação com o turismo por aqui e os estrangeiros que visitam esses lugares são aqueles que vivem aqui em função do trabalho. Uma das paradas obrigatórias no caminho das praias é o Miradouro da Lua, com falésias a perder de vista. Algo realmente fantástico.

Da estrada também podemos ver praias quase desertas. Se durante o Cacimbo a cidade amanhece invariavelmente com o céu entre nuvens, o pôr do sol é lindo demais, dizem que mais bonito que no verão. No final da tarde de um domingo, paramos em Palmeirinhas. Ventava e tinha um ar gelado, uma temperatura agradável de todas as tardes. Não deu para cair no mar, mas o visual compensou.

Juliana Passos

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Água? Só por hoje..

Dias desses fomos comprar água mineral . Trouxemos uma marca e quando o Seba viu disse:

“Mas o que é isso? Querem morrer”?

Para ele aqui em Angola, quanto mais caro melhor e marcas conhecidas dão alguma segurança. Citou como exemplo o caso em que descobriram um senhor que pegava água da rede normal ou comprada de um caminhão pipa e embalava como água mineral.

“Vocês vão voltar pro Brasil e em menos de um mês fazer um check-up. Mas eu vou ficar aqui e tenho que me cuidar. Se inventar de ir ao médico sai uns U$ 1000,00”, desabafou o Seba.

Sempre tomamos água mineral e também a usamos para escovar os dentes. Houve quem nos dissesse, nos conselhos pré-viagem, que isso já seria um exagero. Mas, além da água não ser encanada e ficar exposta no balde, a única alternativa para escovação nos últimos dias estava sendo a água mineral.

Por duas semanas não veio água, mas o reservatório da casa estava nos mantendo. Esses dias tive que me curvar toda, pendurada na caixad`água, pra tirar água lá do fundo. O banho de canequinha que era um sacrifício, tornou-se motivo de alegria. Afinal, conseguimos água!

Curioso mesmo foi ver, no dia em que o estoque de água se esgotava no bairro, os chafarizes da praça Primeiro de Maio, a poucos quilômetros daqui, jorrarem água.

Graças à dona Lídia, que trabalha na casa do Seba, quase nunca ficamos na mão. Ela sai de balde na cabeça pra buscar água nas bicas públicas da redondeza.

A água voltou, mas é bom ir poupando para não viajar sem banho. É, não se assustem, mas só temos mais três dias aqui em Luanda!


Joana Neitsch

sábado, 17 de julho de 2010

Apagão

Quando a luz volta a criançada grita, faz barulho na rua ou dentro dos quintais.
Parece dia de festa, parece novidade.

Mas não é. A luz falta sempre. Não tem dia pra apagar, mas some em muitos dias.
Sempre se sabe que vai voltar. Nunca se tem certeza de quando.

A rua não tem iluminação pública, mas muitas casas têm gerador, mesmo assim, nem sempre há gás.

Quando a luz volta, nem é preciso entrar pra conferir os aparelhos.
As lâmpadas reacendem sozinhas e a criançada berra e comemora.

E o grito não é por uma conquista, mas pela insistência.


Joana Neitsch

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Candongando para Talatona



Antes de virmos para Angola recebemos todo tipo de conselho. Sobre o transporte público, fomos avisadas que quase não há autocarros (como chamam os ônibus). A principal alternativa é a candonga, que os angolanos chamam de táxi, mas são peruas brancas com azul piscina, já citadas aqui, dirigidas por particulares, nada têm a ver com o governo.
Alguns alertaram: não ande de candonga em hipótese alguma! Diziam que podíamos ser assaltadas, que não dá para saber o roteiro, que um tumulto para embarcar, que os homens podiam se aproveitar de nós por causa do aperto nos bancos e que não é aconselhado pela Embaixada Brasileira, nem pela ONU. Outros mais aventureiros, principalmente jornalistas, diziam que dá para andar sim, é tranqüilo, só prestar atenção.
Nossos primeiros passeios de candonga foram com amigos angolanos. Mas essa semana precisamos sair só as duas. Na primeira vez fomos ao centro, perto de casa, em uma rota que já conhecíamos. No dia seguinte precisamos ir para Talatona. Um município vizinho, mas que nem se nota a fronteira (até porque as divisões territoriais de Luanda são bem confusas). Talatona merecerá um postagem à parte, mas é bom dizer que, além de longe, é um bairro mais nobre, onde há muitos condomínios fechados, sedes de empresas e o único shopping da cidade. Para quem é de Floripa, da para estimar a distância, como entre o centro da Ilha e a Palhoça. Com trânsito caótico pode levar horas.
Pois bem, acordamos 6h30 e às 7h15 da manhã, pegamos a primeira van. Os cobradores ficam na calçada gritando o destino: “Aeroporto, Aeroporto”; “Maianga, maianga “; “Zamba II, Zamba II”. Com certo esforço se descobre qual carro vai para o nosso destino. Puxam as pessoas da calçada. Só sai quando estiver lotado e nisso ficamos esperando uns 20 minutos. Sorte que uma angolana lembrava "Moço, tem transito, vamos chegar atrasados". Em cada fileira de bancos se apertam umas quatro pessoas e vão mais duas com o motorista na frente.
A trilha sonora tem kuduro, semba, pagode e sertanejo brasileiros, a Shakira cantando o tema da Copa e até MPB! As pessoas que usam são a grande maioria da população, senhoras indo trabalhar, levando os filhos à escola, estudantes e alguns pulas mais aventureiros ou necessitados. Realmente algumas entram bem apressadas, principalmente quando há muita gente para poucos lugares. Mas nada que não seja visto em ônibus ou metrôs do Brasil.
A vantagem é que os motoristas costuram o trânsito como podem para vencer os congestionamentos. Melhor não pensar nas conseqüências que isso pode ter, nem na última vez que foi a manutenção.
Fizemos baldeação em pontos poeirentos, perto dos musseques (como chamam as favelas aqui). A mesma gritaria para atrair passageiros. Contamos com a ajuda dos cobradores que nos davam informações antes mesmo pedirmos e com pessoas nos pontos que no meio do tumulto foram ágeis em no dar informação.
Chegamos a Talatona após três candongas. Quase no portão da multicnacional, tirei o chinelo de dedos, limpei a poeira dos pés com algodão, calcei o salto, ajeitei o cabelo e chegamos 8h55 para a entrevista que seria às 9h. Me sentia uma vitoriosa!
Na portaria, descobrimos que era o local errado, tomamos mais uma candonga e por fim um carro turismo (carros pequenos, sem identificação, que oferecem transporte alternativo). Meia hora de atraso, completamente tolerável para Luanda que tem tradição de atrasos por conta do trânsito. Após quatro candongas, um carro turismo e 1100 KW (equivalente a 11 dólares) chegamos a nosso compromisso. Até nosso amigo angolanos duvidaram que conseguiríamos. Tem muito brasileiro que mora aqui há anos e nunca andou de táxi e nos olha com um misto de admiração, uns até nojo. Outros confessam que queriam andar para ver como é.
Não cabe slogan “rápido, confortável e seguro”, mas dá para dizer que é ágil, divertido e um bom ponto para enxergar Luanda.
Joana Neitsch

Fotos:
1. Candongas na Mutamba, no centro da cidade
2. Candongas no ponto perto da nossa casa, onde começou a viagem para Talatona

terça-feira, 13 de julho de 2010

Vizinho

Hoje de manhã na saída de casa, para mais um dia de entrevistas e imprevistos encontramos este garotinho escovando os dentes.





Juliana Passos

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Aqui somos pulas!

Nunca me considerei muito branca, sou a típica mestiça, cara de brasileira. Filha de negra, com descendente de alemão, o mais europeu é o sobrenome - Neitsch. Por isso, passo batido em quase todas as regiões do Brasil. No verão, com um bom banho de sol, sou mulata. A Jú vai pelo mesmo tom.

Em Angola, somos brancas ou pulas, como dizem aqui, gíria que vem do tempo dos portugas. Passamos pela rua e nos chamam “Samantha”, por sermos brancas como a protagonista de uma novela mexicana que passa aqui.

Nossos amigos angolanos dizem que não têm preconceitos com brancos. Mas, segundo eles, os mestiços são terríveis, são arrogantes, se excluem, se acham melhores porque geralmente são descendentes de portugueses. Então para não me ofenderem, garantem que não sou mulata, mas branca mesmo. Esses dias chamei de mulata uma mulher de olhos verdes, pele menos escura que da maioria aqui, e ela me fulminou com os olhos: “Sou negra”!

Com a história do apartheid em evidência por causa da copa, acabam por falar que negros continuam a se separar dos brancos, ou têm mágoa. Não posso condensar todos os sentimentos aqui de Angola, mas de fato, a pele branca ou mais clara, lembra o colonizador.

A grande maioria das pessoas aqui é negra. E na rua chamamos atenção. Percebem que somos estrangeiras e reagem de diferentes maneiras.

Aqui, posso entender melhor como minha mãe, negra e nordestina se sentia há 25 anos, quando chegou em Joinville, ainda de maioria germânica, e chamava atenção pela aparência física. Só que no nosso caso saímos da zona de conforto, do perfil classe média, mestiço, brasileiras comuns. Passamos a destoar por lembrar um ar de superioridade que não temos, mas cor lembra ou simplesmente o diferente, que chama atenção. Não é o tempo todo, mas com freqüência pra me fazer rir e às vezes irritar.

Hoje passamos por duas situações. Uma engraçada:

Passávamos pela rua e disseram: “Belas portuguesas, estão de volta”!

A outra situação foi frustrante:

No fim da tarde, depois de caminhar o dia todo, ouvi de um menino que deve ter no máximo 17 anos:

“Vai estragar o país”.

Incrédula, olhei pra ele e mirando bem nos meus olhos ele disse de novo:

“Vai estragar o país”.

Fiquei furiosa. Mas adiantaria comprar briga na rua?

Eu queria dizer que não é assim que se dá a resposta a séculos de humilhação, que estou ao lado dele, por que sou afrodescendente, porque abomino qualquer segregação aos negros e todos os desmandos que fizeram e fazem por toda a África.

Mas também queria dizer que sou contra ele, porque tenho repugnância por quem faça qualquer distinção ou pré-julgamento pela cor da pele de alguém.

Calma, gente! Temos amigos negros, muitas pessoas nos tratam bem pelas ruas. Só destaquei esses fatos porque me surpreendem. E me irrito e me assusto, ainda que o preconceito venha de um menino de só 17 anos, talvez por isso mesmo.


Joana Neitsch

sábado, 10 de julho de 2010

Pintores Centro de Acolhimento

Em meio a tantas histórias tristes, há um encantador estúdio de pintura, improvisado em um dos galpões do Centro de Acolhimento para o Projeto de Meninos Pintores. Participa quem quiser, mas é preciso levar a sério. Oito meninos passam a maior parte do tempo ali, orientados por Christian, nome artístico de Carlos, 17 anos, que já morou no Centro, hoje mora com a tia. O jovem transmite aos aprendizes as técnicas que aprendeu sozinho e em um curso que não pôde concluir, porque o professor foi embora.
Agora os meninos estão aprendendo retratos. Isaac João, de 13 anos, se debruça sobre a contracapa de um caderno escolar de onde tira a imagem do presidente para ampliar em uma folha de papel A3. Ele é um dos meninos acusados de feitiçaria. Isaac, que sonha em ser artista plástico, explica um dos seus quadros:
“Um corpo que carrega uma bola. A bola é o mundo e Angola está ali dentro. Angola está em paz. Se ele deixar a bola cair, acaba a paz. A bola está pesada e ele está cansado, por isso está curvado. Mas não quer deixar a bola cair. As gotas que saem da sua cabeça são lágrimas”.
Com a ajuda de voluntárias Renata e Eliane, os Meninos Pintores fizeram exposição shopping e deram entrevista a jornais da cidade. Christian recebeu a encomenda de vários retratos. Do dinheiro que recebe, metade fica para a compra de materiais para a oficina. Os próprios meninos saem para comprar e negociar as tintas e papeis.

Meninos feiticeiros


A brasileira Renata, que mora em Luanda há seis meses, nos levou para conhecer o Centro de Acolhimento Arnaldo Janssen , que atende 130 meninos com até 18 anos. Criado há 15 anos, no início o centro tinha como principal foco atender órfãos de guerra. Hoje o maior motivo para as crianças estarem lá é a pobreza e a ignorância.

A pobreza dispensa explicações. A ignorância é evidente no fato de, em pleno século XXI, crianças serem espancadas, ameaçadas de morte a ponto de fugirem de suas casa por serem acusadas de feitiçaria. A irmã Rosa, responsável pelo centro, nos explicou que muitas famílias acreditam que meninos muito agitados, temperamentais ou até mesmo inteligentes acima da média são acusados de ser feiticeiros e por isso vão parar nas ruas, onde assistentes sociais os encontram.

Por mais que essa prática esteja ligada a tradições milenares é revoltante ver a humilhação e abandono por que passam essas criança. Alguns chegam a se convencer que são feiticeiros mesmo e não merecem estar no seio da família, outros querem voltar e são renegados quando se tenta uma mediação do Centro com a família. Pior ainda é saber que a maioria das famílias são cristãs e já abandonaram muitas das práticas religiosas de seus antepassados, mas na hora de atingir as crianças são tão devotas às antigas crenças. Sábio, Seba que diz que “as pessoas buscam saída para sua miséria colocando a culpa nos miúdos”.


Joana Neitsch

terça-feira, 6 de julho de 2010

A famosa Praia do Bispo

Tem lugares que a gente sonha conhecer de tanto ver em fotos e ouvir falar. Tem aqueles desejos pessoais, conhecer a terra da mãe ou da avó ou um lugar que um amigo foi e voltou falando tão empolgado. A Praia do Bispo estava em meu imaginário desde que o sonho de Luanda começou e fui alimentá-lo nos livros do escritor angolano contemporâneo Ondjaki, que tive oportunidade de conhecer pessoalmente na Ufsc. O desejo de ir a esse lugar vinha de um encanto pessoal e, ao mesmo tempo, na curiosidade de ver o local escolhido para guardar os restos mortais do Presidente Agostinho Neto, que assumiu logo após a independência de Angola, em 1975 e ficou no poder até 1979, quando faleceu.

Nos livros Bom dia Camaradas e Avó Dezanove, o escritor narra as brincadeiras dos meninos na Praia do Bispo, da construção do Mausóleu, feita pelos soviéticos. Mistura a ilusão das brincadeiras de criança e questões políticas do jovem país que se construía, sob influência do regime socialista.

Na quarta tivemos oportunidade de ir à praia do Bispo. Já era noite e o Mausoléu, que tem uma torre que se vê de longe, era uma sombra na escuridão. Há vários postes de iluminação pública, mas estavam todos apagados. A luz na rua vinha das casas e dos carros. O bairro tem construções portuguesas grandes e bem conservadas e fica aos pés do morro bem iluminado, que abriga a casa do presidente de Angola, José Eduardo dos Santos.

Teremos que voltar outro dia para ver melhor o Mausoléu e fazer uma foto. Não houve decepção porque estávamos com o Gomes, que morou ali na infância e veio contando as suas histórias. Foi como se um dos meninos do livro do Ondjaki estivesse ali a nos contar suas peripécias de infância. Mostrou a casa do vizinho general que implicava com a música alta, encontrou vários “gajos que conhece desde miúdo” e indicou os mercados mais antigos e padaria de uma brasileira casada com um angolano que, segundo ele, fornece os pães do presidente.


Joana Neitsch

sábado, 3 de julho de 2010

Passeio


Atravessamos a rua correndo, como Seba sempre faz, e de repente estávamos dentro de uma candonga pela primeira vez. Foi tudo muito rápido, o trajeto também. Acho que foi para termos uma pequena emoção de andarmos em uma dessas vans azul com branco que lotam a cidade e são o principal meio de transporte coletivo da cidade. “Candonga” foi o nome que aprendemos ainda no Brasil, mas a maioria dos angolanos aqui chamam de táxi, apesar de haver um poucos carros de táxi, daqueles que estamos habituadas.

Vimos uma zungueira (como são chamadas as vendedoras de calçada daqui) que vendia morangos e a Jô foi lá correndo comprar. Agora há pouco tirou várias fotos para poder mostrar o quanto eles são bonitos. Também são muito doces e não parecem turbinados de agrotóxico, difícil de encontrar assim no Brasil. Foram mil kuanzas pela caixinha, vinda da província de Lubango, o equivalente a 10 dólares. Pensamos que a vendedora tinha feito um preço mais alto para as gringas, mas depois nos confirmaram que é esse o preço mesmo.

No caminho de casa ele pegou o rumo do seu escritório e nós andamos sozinhas pela cidade pela primeira vez. Não foi um trajeto muito longo, menos de dez minutos na verdade. Mas nosso anfitrião é quase um pai de tão cuidadoso, sempre nos precavendo e tentando acompanhar ao máximo.

Tinha uma garota pedindo ajuda para atravessar a rua. Ficamos na dúvida, mas um policial nos fez sinal do quartel para que a ajudássemos. A Jô tomou a menina pela mão e cruzamos a rua. Qualquer travessia aqui é uma aventura, podem surgir motos do nada ou carros, fazendo ultrapassagens doidas.

Às vezes ficamos com uns receios bobos longe de casa, as brancas cruzando a rua com a menina negra. Besteira, foi tão rápido. O que poderia acontecer? A menina, disse que ali tava bom, pegou uns morangos, disse obrigada e foi, com a mochila nas costas e vestida em seu collant cor-de- rosa bebê e uma bermuda jeans. Do outro lado da rua acenamos.