quinta-feira, 19 de agosto de 2010

O Roque



O mercado do Roque Santeiro era o lugar que mais ouvíamos falar antes de ir para Luanda, não podíamos voltar sem conhecê-lo. Esse é o maior mercado ao ar livre da Angola, um dos maiores do mundo e teve o nome inspirado na novela brasileira. A maioria dos brasileiros que conhecemos em Angola nunca foi ao Roque e também há angolanos que evitam e não gostam de ir para lá.

Na véspera, Mavanda, namorada do Seba, nos descreveu com minúcias os quatro assaltos que a mãe dela sofreu no mercado. Com tanto terrorismo acabamos deixando a máquina fotográfica em casa e na última hora preferi deixar a aliança também. Fico me perguntando até que ponto isso é verdade, pois também há estrangeiros que vêm ao Brasil e ouvem avisos desse tipo.Mas dizer perigoso é um adjetivo um tanto simplista para um universo que tem lá. Se em Luanda tudo parece visto com uma lupa, sejam encantos ou problemas, no Roque a lupa amplia-se ainda mais.

Desafiamos o Seba: ou ele nos levaria ou iríamos sozinhas. Adivinhem o que o cuidadoso anfitrião fez?

Na chegada, a vista que temos lá embaixo milhares de barracas com teto de lona ou do material que houver disponível. Descemos a pirambeira e na maior parte dos corredores ou ruelas é preciso andar em fila indiana. Chitãzinho e Xororó foi a primeira música que ouvimos. Muita gente, gritaria e correria, como muitas feiras populares que devem haver pelo mundo (o mais próximo disso que eu tinha ido era o Beco da Poeira em Fortaleza). Mas o que impressiona no Roque é o tamanho e a variedade.

Lá encontramos tecidos africanos e todo tipo de produto que um bom camélodramo oferece: bolsas, brinquedos, doces, cosméticos, tênis, eletrônicos marcas norte-americanas made in china a dar com o pé. Tem também fato (como chamam os ternos) e gravatas, vestidos longos de festa. Toda a cor e cheiro das feiras com frutas e verduras. E materiais de construção. Congelados e enlatados. Não nos ofereceram, nem vimos, mas quem procura serviços sexuais e drogas, para consumir ali mesmo, também encontra. Tem muito ouro e bijuteria. Bacias coloridas. O chão é terra, tomate espatifado, prego, pilha, farinha do fungi, pegadas de Havainas...

Fomos rápido. O Seba disse que não dava pra ficarmos parados muito tempo em um só lugar e dar mole para os assaltantes. Éramos a únicas pulas ali. Imagino que a cara de estranhamento que vi neles não devia ser muito diferente da minha. Nos achavam fora de lugar e eu tentava entender tantos mundos naquele lugar. Impossível eliminar minha mentalidade de estrangeira, fico vendo tudo com curiosidade, até poesia. Aí me chacoalho e me dou conta que é o sempre deles. Uma luta por sobrevivência. Se agacham ali mesmo pra comer fungi com peixe. Em uns cantos das barracas mulheres gordas cochilam. Em outros mães fazem as tranças nas filhas. Nos botecos improvisados jovens ficam azarando e se embebedam.


Ali também é um dos pontos de abastecimento das zungueiras. Compram em atacado os produtos para venderem nas calçadas. Muitos produtos que exportadores engravatados, negociam nas salas limpas e frescas de ar-condicionado são escoados por ali. E muita gente esperta que roda Luanda toda a procurar melhores preços, sabe que há produtos que só tem ali no Roque. Não adianta ir a outras feiras, nem a mercados, nem mesmo ao shopping. Compramos panos africanos coloridos feitos na China. Angola não tem indústria têxtil e os tecidos que vêm do Congo, que é ali ao lado, são mais caros que os chineses. Saiu muita tinta na primeira lavagem e o tecido ficou mais macio, vamos ver nas próximas.


Agora o Roque está de mudança. Vai para o novo mercado de Panguila, a 18 quilômetros de Luanda. Se vai dar para todos os vendedores irem para lá e se todo esse universo também vai ser transferido, só quando gente voltar a Angola para ver.




Foto: Vendedora de carvão no Roque.

Crédito: João Fellet - Jornalista, faz parte do coletivo Tás a ver e vai lançar um livro sobre sua experiência em Angola e outros países africanos no próximo ano. Também nos deu boas dicas antes de viajarmos.


Joana Neitsch


Um comentário:

  1. J&J, vocês são de muita coragem ehin!!..
    estou admirado com tanta ousadia.. hehe he he
    to vendo que vcs conheceram profundamente minha terrinha
    que bom, vcs podem não acreditar mas nos amamos aquele lugar do geitinho que ele é!. :-)

    bjs

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